Em torno da castiça vila do Cercal, este percurso atravessa um mosaico de pequenas quintas, hortas e pomares, onde se vive o dia-a-dia rural das gentes alentejanas. Cruzam-se ao caminho pequenas linhas de água que nascem na Serra do Cercal e correm para Leste em direção à albufeira de Campilhas e adiante, até ao Rio Sado.
O percurso circular do Cercal faz-nos acreditar na harmoniosa convivência do homem com a natureza, levando-nos por caminhos que, desde há séculos, são percorridos em direção às hortas e pomares, pastagens e campos de cereais, num movimento diário e secular, como um coração a bater, entre o calor do povoado e a terra fértil que o envolve e alimenta.
Figueiras, marmeleiros, oliveiras, laranjeiras, nespereiras e limoeiros compõem simpáticos pomares. Os campos alimentam ovelhas, cabras, vacas, galinhas e gansos. Entre as muitas aves selvagens que se cruzam com o caminhante, destacam-se a gralha-preta, a alvéola-branca, a garça-boieira, a carriça, o trigueirão e a toutinegra-de-barrete. O javali mostra também a sua presença, pelas fuçadas e espojadouros. Nas sebes, nos bosquetes e nas orlas dos campos agrícolas abundam plantas silvestres como a madressilva, a esteva, o lentisco, o rosmaninho, o carrasco, a carvalhiça, a gilbardeira e o trovisco. Algumas são usadas na culinária, como é o caso do loureiro, do espargo-bravo, do orégão ou do medronho. Nos sítios mais húmidos crescem juncais com hipericão e montraste e nas margens das linhas de água dominam os salgueiros.
O trilho cruza a Quinta da Mandorelha, local emblemático do Cercal, onde até há poucos anos se namorava e se dançava ao som da harmónica e da sanfona. Encontram-se vestígios da ocupação do Cercal desde a Pré-história, mas terá sido a partir da ocupação romana que o Cercal se tornou um dos locais mais habitados da região e é fácil perceber porquê: o relevo é aplanado, os campos estão protegidos dos ventos marinhos pela serra do Cercal e a água é abundante, vinda das nascentes da serra e distribuída pelas linhas de água que percorrem o território. Relatos do séc. XVIII descrevem o Cercal do Alentejo rodeado de “vastíssimos montados de sobro e grandes lezírias” produzindo as suas terras “copiosa colheita de trigo”. Para a prosperidade desta terra, a agricultura teve sempre um aliado – a exploração mineira de cobre, ferro e manganês. A maior exploração foi a de ferro, nas cinco minas desta freguesia – Cerro da Fonte Santa, Toca do Mocho, serra da Mina, serra das Tulhas e serra de Rosalgar, que cessaram a sua atividade em 2000.
Conta a lenda que, numa torre da casa das heras, na Mandorelha, um homem nobre prendeu a sua filha, impedindo-a de se encontrar com um plebeu por quem estava enamorada, e atirou a chave para a queda de água. Nos primeiros tempos de cativeiro, a rapariga vinha à janela, junto às águas revoltas, penteando-se enquanto entoava uma canção triste. Um dia deixou de aparecer, deduzindo as gentes que se teria atirado à água. A partir daí, em noites de lua cheia, o fantasma da jovem aparece na Mandorelha, penteando-se com pente de ouro e cantando como antigamente.