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Às Armas em Óbidos

Porquê um castelo em Óbidos?
A resposta a esta questão está dependente da resolução de uma outra igualmente apaixonante, mas ainda mais difícil de definir: quem o terá fundado? Terá surgido como uma pequena construção romana de vigilância na Torre do Facho, uma vez que tudo aponta para o núcleo habitacional romano se localizar em Eburobrittium?
A ancestralidade da Torre do Facho ou Vedra é colocada por Manuela Santos Silva (1998, pp. 42-3), quando esta investigadora refere a possibilidade ser uma estrutura com antecedentes romanos. Continuam as interrogações… Estaria esta construção sobre outra mais ancestral e com o mesmo objectivo? Seria uma mera torre de vigilância para o sul da região e um facho sinalizador para a navegação da lagoa? Ou esta torre faria parte de uma estrutura defensiva mais desenvolvida localizada no actual castelo? Demasiadas questões à espera de resposta dos exíguos arquivos existentes, apenas a arqueologia poderá reforçar este trabalho desenvolvido pelos historiadores.
Este panorama de incerteza mantém-se quando avançamos para cronologias posteriores. A atribuição de uma origem mourisca é frágil, baseando-se em comparações de tipologias construtivas, por exemplo através da sua planta, da forma semicircular dos cubelos (torres adossadas), da torre Albarrã e no facto incontestável da presença de uma povoação muçulmana. Apesar de darmos como certa esta presença moura, a História coloca-nos resistências quando se trata de provar documentalmente a sua existência nos adventos do Portugal cristão: “A pesquisa documental referente ao período que medeia entre o século IX e o XII não revela a existência de qualquer castelo ou povoação importante localizada entre Coimbra (ou Leira já no século XII) e a constelação urbana muçulmana de Santarém. Da antiga Eburobrittium não restam vestígios, como os não de qualquer outra cidade ou mesmo fortificação persistente nas mãos de mouros e cristãos.” (Silva MS, 1998, p. 43).
Este silêncio das fontes deve ser encarado em paralelo com a importância estratégica de Óbidos. Importância essa que se foi transferindo sempre que novos dominadores do seu espaço aqui se instalaram. A posição central entre Lisboa e Coimbra, o acesso a Santarém, a ligação ao mar através da lagoa, para além de solos agrícolas férteis e recursos venatórios e piscícolas abundantes, são factores que se mantiveram importantes quer para muçulmanos, quer para cristãos.
Situado na charneira, entre as voláteis fronteiras da reconquista, o termo de Óbidos não seria densamente povoado, excepto junto ao seu castelo, onde o povoado seria dos de maior dimensão na faixa atlântica até Torres Vedras. A região era um local instável e acossado dependendo o sucesso da empresa da reconquista do seu domínio e exploração. A fundação do castelo de Leiria em 1133 conferiu uma maior vitalidade ofensiva e defensiva ao avanço para Sul de D. Afonso Henriques. Seguindo a antiga estrada romana sucedem-se as conquistas de Santarém e Lisboa, ambas em 1147. Óbidos passará definitivamente para as hostes cristãs em 1148 provavelmente de uma forma mais sensata do que aquela que a tradição histórica nos relata. O cerco cristão e a velocidade com que caem as praças a norte de Lisboa até Óbidos fazem-nos colocar algumas reservas à conquista mítica de Gonçalo Mendes da Maia O Lidador, cuja astúcia teria permitido aproveitar uma manobra dilatória de D. Afonso Henriques para se infiltrar no castelo, através da porta da traição.
Passadas as conquistas do território era necessário que fosse consolidado, o que só seria conseguido se fosse povoado. Conseguido esse objectivo afirmava-se o poder, geravam-se impostos e travavam-se as surtidas mouriscas. Neste programa ambicioso e fundador, as necessidades defensivas assumem protagonismo durante a Primeira dinastia, conferindo-lhes algumas das características que podemos observar no presente. A importância de Óbidos, é atestada pelas palavras de Iria Gonçalves (p. 399-400) que refere que a vila fazia parte dos grandes redutos defensivos da região, conjuntamente com Leiria e Santarém, formando uma linha avançada de oposição a qualquer ataque dirigido do Norte sobre Lisboa. Os pequenos castelos como Alcobaça e Alfeizerão ajudavam a cerrar o sistema defensivo e como abrigo das populações locais.

Arquitectura ao serviço da estratégia militar
A referência de que na arquitectura militar todos os elementos têm um objectivo é recorrente, mas, mais do que isso, é verdadeira. São exemplos do engenho humano face à ameaça ou da sua própria ambição.
A frugalidade decorativa e a austeridade construtiva carregam o peso da guerra e a necessidade do homem ser célere na construção das suas defesas. A especialização, quase científica, que alcançou confere-lhe o direito a possuir responsáveis pela sua construção, criadores de soluções passíveis de implementar em diferentes locais. No entanto, cada castelo possui sempre, pelo menos, uma característica que o torna único, quer seja pela orografia onde está implantado quer seja pelo tipo de ameaça que teria de enfrentar.
Neste contexto, Óbidos é um exemplo paradigmático da evolução da arquitectura militar no território nacional. De um provável sistema de vigilância e sinalização de costa, através da Torre do Facho, foi-se desenvolvendo progressivamente com a construção de uma segunda cerca junto à igreja de São Pedro, circundando o castelo a sua primeira cerca, até à construção da actual linha de muralhas. Um processo longo, dispendioso, de reacção face a ameaças, uma súmula de conhecimento onde se cruzam culturas e civilizações. Ao olharmos para Óbidos e para o seu conjunto defensivo devemos ter presente que não se trata de uma obra feita numa empreitada por ordem de um rei, mas um projecto continuado onde castelo e cerca foram abraçando a vila florescente.

Castelo, torres e cercas
A defesa de um território era pensada de uma forma que, por vezes, é difícil de compreendermos muito em virtude de olharmos exclusivamente para o castelo e não percebermos o conjunto defensivo, do qual eram parte integrante. A percepção é difícil porque temos poucos testemunhos das estruturas efémeras que eram criadas apenas quando havia necessidades defensivas. Para além disso a existência de torres e cercas eram apanágio dos sistemas defensivos medievais. Óbidos é testemunho dessa riqueza de soluções.
O castelo, estrutura central do conjunto militar de Óbidos, tem uma planta trapezoidal [colocar imagem], onde a área frontal actua como cunha face à ofensiva inimiga. A fachada é composta por três cubelos circulares e um quadrangular adossados à muralha. São estruturas colocadas para proteger as arestas de encontro dos muros e, ao centro, para proteger o pórtico de entrada, escondido pela barbacã que contorna o castelo até à torre de Menagem ou de D. Fernando. A barbacã era um muro ou muralha, em pedra ou madeira, à frente ou contornando a muralha que servia como primeira linha de defesa em caso de ataque, para criar constrangimentos aos movimentos do inimigo e dificultava as manobras de minagem das fundações da muralha.
Na parte anterior do castelo (actualmente a entrada da Pousada) o programa é semelhante, mas com dois cubelos semicirculares (esquerda e centro) e uma torre de consideráveis dimensões mandada construir por D. Dinis. Esta torre não é o único vestígio do período dionisino, marcado por um considerável desenvolvimento das estruturas defensivas nacionais devido, em grande medida, aos conflitos internos e ao desenrolar do processo de definição de fronteiras até ao Tratado de Alcanices. Continuando um rumo que vinha do reinado de Afonso III, será com D. Dinis que o castelo gótico se assume como preponderante, por ser marcado pelo conceito de “defesa activa”. Este conceito faz uso de novos elementos como os mata-cães, portas resguardadas por dois torreões, multiplicação do número de torreões nos panos de muralha, ameias mais largas (aumentando o espaço de defesa devido à eficácia crescente de armas como a besta), etc (Barroca, p. 117-9).

Em Óbidos a torre de D. Dinis, que poderá ter servido como torre de menagem, acrescentou capacidade defensiva ao castelo, juntando-se à torre Albarrã ou de D. Sancho.
A torre albarrã é uma estrutura que permite uma defesa avançada, protegendo os panos da muralha sem a vulnerabilidade da defesa a partir das ameias. Estas estruturas são normalmente atribuídas como uma herança mourisca que os conquistadores cristãos aproveitaram. No caso de Óbidos, a tradição histórica atribui a sua fundação ao rei D. Sancho I, embora a hipótese de se tratar de uma construção muçulmana seja referida por Manuela Santos Silva. Assim sendo, a D. Sancho I poderíamos atribuir talvez uma campanha de reconstrução e reforço da torre. Sabemos que o contexto da reconquista cristã sofreu uma alteração considerável nas últimas décadas do século XII com as investidas almóadas, que cercam Santarém em 1184 e pilham a Estremadura. Só a chegada do apoio de Fernando II de Leão força a retirada a Almóada e permite que a defesa de Santarém, comandada por D. Sancho, tenha o desfecho pretendido pelo futuro monarca. A instabilidade regressa em 1190 e 1191 com as investidas de Abu Yaqub Yussuf, Al Mansur, forçando D. Sancho a reforçar toda a linha de defesas da Estremadura e Vale do Tejo, pois voltava a ser a fronteira (Barroca, MJ, p. 51). Será desta altura uma eventual reconstrução da torre Albarrã de Óbidos?

Não menos importante foi o rei D. Fernando responsável pela construção, reconstrução e extensão de um grande número de castelos e cercas devido aos conflitos que encetou na disputa pelo trono de Castela. Óbidos foi protagonista deste programa, apesar de não se situar na raia luso-castelhana, espaço privilegiado para essas acções, por óbvias razões. Foi durante o seu reinado a construção da torre de Menagem ou de D. Fernando, a extensão de muralhas e a Porta da Vila. A torre de Menagem em qualquer castelo funcionava como último reduto defensivo e como local de comando das movimentações das tropas. Geralmente encontravam-se isolados dos restantes elementos e numa posição relativamente central no interior da cerca. Foi talvez a maior inovação da tipologia construtiva românica que se identifica com um conceito de defesa passiva. No seu interior encontrava-se a cisterna, como o atesta o caso de Óbidos, importante reserva de água, logo um elemento vital para enfrentar situações de cerco prolongado.
As obras fernandinas foram consideráveis para a época tendo sido necessário recorrer à anúduva, um direito que conferia ao alcaide a possibilidade de requisitar os habitantes da Atouguia e dos Coutos de Alcobaça para aí trabalharem. Este facto demonstra que Óbidos possuía uma importância defensiva que extravasava a dimensão do seu termo.
A extensão das muralhas até à configuração actual terá substituído uma outra linha de cerca intermédia que passava junto à igreja de São Pedro (templo fundado entre os séculos XII e XIII), muito provavelmente devido ao aumento populacional que a vila terá assistido nos primeiros séculos da nacionalidade. A nova cerca terá obrigado a reequacionar a relação da vila com o exterior. Extensos panos de muralha, intervalados por torreões quadrangulares, levaram à abertura dos postigos de baixo e o do jogo da bola, e da Porta da Vila, que se destaca do restante. Porta dupla, em cotovelo ou sifão, característica das fortificações almóadas foi bastante utilizada em castelos portugueses. Tinha como objectivo obrigar as tropas invasoras a manobras para entrar no perímetro, sofrendo ataques a partir do caminho de ronda ou adarve que a contorna num plano superior, que certamente gerariam pesadas baixas,

Fortaleza Militar ou “Fortaleza Natural da Arte”?
A importância militar da vila ocorreu de forma mais marcada durante o período medieval, altura em que as definições de fronteira foram essencialmente centradas, na relação Norte/Sul, entre cristãos e mouros. Com a conquista do Algarve por D. Afonso III essa relação de fronteira concentra-se na raia Portugal e reinos hispânicos. Nessa altura, Óbidos passa a estar longe dos principais focos de conflito militar e apenas a sua proximidade à costa lhe conferia alguma importância estratégica. Convém no entanto não esquecer que as fragilidades defensivas da Estremadura face a ataques marítimos a partir de Peniche se mantinha em meados do século XVI como revela uma carta dos frades de Afonso de Ataíde a D. João III, de 15 de Julho de 1544: “em toda a costa de Vossos reinos nom há desposiçom de terra mais necessária provida das forças que comprirem aquella, porque em hum dia com vento sobre terra, ou norte brando, se nom tiver defensão, podem desembarcar cem mil combatentes em terra, e podem se fazer fortes naquella Ilha, e fiquão duas legoas de Óbidos, que he hua Villa cercada de muy fortes muros e boo Castello […]” (Câmara, TB, p. 22).
A vila foi palco de algumas batalhas, mas esta é uma temática movediça pela ausência de trabalhos científicos, misturando-se muitas referências da tradição histórica que de tanto serem referidas já fazem parte do imaginário colectivo. Como exemplo mais significativo temos a conquista de Óbidos por D. Afonso Henriques à qual já nos referimos anteriormente. As invasões mouras de finais do século XII são também referidas como exemplos da heroicidade local e das capacidades do sistema fortificado de Óbidos. À medida que o inimigo se altera do mouro para o castelhano passamos a ver Óbidos como foco de resistência ao invasor ibérico. O próprio D. João de Castela, que disputou o trono do reino com o Mestre de Avis, teria estado instalado na vila onde coloca um seu apoiante como alcaide. Sabemos que Óbidos, talvez por isso, não tomou partido a favor do Mestre de Avis. No entanto a tradição descreve uma sublevação da população contra a guarnição espanhola, muito por obra da acção de D. João de Ornelas Abade do Mosteiro de Santa Maria de Alcobaça e natural da vila. Figura verdadeiramente fulcral na forma como se desenrolou a sucessão dinástica, que terminará com a dinastia de Avis no trono de Portugal.
O episódio militar mais conhecido passou-se em meados do século XIII, cerca de 1246, quando a vila toma o partido do rei D. Sancho II, em detrimento do seu irmão D. Afonso, regressado de França. A posição do alcaide Fernando Ouregues de Aboim e a firmeza da vila perante o cerco valeram, depois da subida de D. Afonso ao trono, a concessão à vila do honroso título de: Nobre e Sempre Leal.
Séculos mais tarde a vila, por contágio do reino, vive a instabilidade das guerras da Restauração que leva mesmo ao reforço das muralhas e à sua readaptação como elementos militares, uma vez que alguns panos de muralha tinham construções adossadas e, inclusivamente, janelas abertas para o exterior! (Câmara, TB, p. 67).
Apesar disso os conflitos militares em Óbidos e no seu termo só se voltam a sentir com a Primeira Invasão Francesa, na denominada “escaramuça de Brilos”, onde tropas fancesas disparam contra forças inglesas a partir das muralhas da vila. Foi uma escaramuça que antecedeu as batalhas da Roliça (Concelho de Óbidos) e do Vimeiro marcando o início de sete anos de resistência, apesar de não ter uma considerável importância militar (Tormenta, JP, pp. 94-96)
Apesar da arquitectura militar que continua a debruar a vila com o recorte das ameias e as torres e torreões Óbidos granjeou prestígio, depois dos perigos medievais, como local de referência da arte. Arte e devoção religiosa cruzaram-se para gerar algum do património edificado e integrado (azulejos, pintura e escultura) mais importante de Portugal. A acrescentar a isso temos ainda o ambiente histórico da vila onde arquitectura, urbanismo e geografia se fundem em perfeita harmonia. Não terá sido essa a grande herança defensiva que as muralhas nos legaram? Alguns autores setecentistas e oitocentistas já se referiam a Óbidos não como um poderoso bastião militar, mas como a “Fortaleza Natural da Arte”. Acreditamos que continua a ter um pouco de ambas.

Pontos de Referência:

  • Torre do Facho ou Vedra
  • torre Albarrã ou torre D. Sancho
  • Porta da Vila
  • torre de Menagem
  • Adarve Este
  • Torre D. Fernando
  • Torre D. Dinis
  • Muralha da Porta da Talhada à Torre do Facho
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morada Castelo De Obidos, Rua Josefa de Óbidos, Óbidos Municipality, Portugal

Pontos de Interesse

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