É a primeira exposição individual em Portugal do artista guatemalteco Naufus Ramirez-Figueroa. No seu trabalho Naufus Ramírez-Figueroa procura confrontar narrativas históricas com memórias pessoais. A sua relação com o passado, principalmente o da América Latina, é um emaranhado da História a que o artista acede através da sua própria biografia. Tendo sido diretamente afetado pela Guerra Civil da Guatemala, entre 1960 e 1996, abandonou o país, em meados dos anos de 1980, com estatuto de refugiado para viver no Canadá e todo o seu trabalho demonstra o quanto somos moldados pela inevitável interseção entre o pessoal e o político. Nos seus projetos, que tomam a forma de performances e instalações, recorre às linguagens do folclore, da ficção científica e do teatro para reformular esses eventos históricos e respetivos protagonistas através das suas experiências pessoais.
Para a Kunsthalle Lissabon Naufus Ramirez-Figueroa desenvolveu uma nova instalação que parte do seu interesse pela infância e pela forma como o corpo funciona ou é treinado a funcionar, nomeadamente, como somos treinados, enquanto crianças, a usar o bacio. O seu interesse por esta fase da vida e por aquilo que é projetado no universo infantil surge já em trabalhos anteriores, comoIllusion of Matter, recentemente apresentado na Tate Modern,Props for Erendira, apresentado na 10ª Bienal de Gwanju ou aindaNo se como Decir no se, apresentado na Galeria Sultana.
Ao entrar na exposição, o visitante vê pequenos e variados objetos no chão, os quais, após uma inspeção mais cuidada, são identificados como bacios e fezes laboriosamente esculpidos em esferovite e pintados com pigmentos minerais e tintas epóxi. A semelhança com objetos em cerâmica vidrada é desconcertante. Após este primeiro encontro, o olhar desvia-se para o final da sala onde uma escultura maior, com cerca de um metro e meio de altura, domina o campo de visão. A aproximação a esta peça revela-a como uma criança que olha diretamente para uma cegonha que esculpe, dando forma, a um monte de fezes.
Todo o chão da Kunsthalle Lissabon está coberto por essas esculturas representando fezes e bacios, semelhantes a jóias e, ao progredir pelo espaço, o visitante vê uma outra escultura, que parece antiga, e, cuja forma e cor recordam vagamente uma girafa. Esta é a girafa referida no título da exposição. O espaço é ainda atravessado por uma escultura que se assemelha, em forma, a uma serpente e que paira por cima de toda a instalação. É matéria fecal nascida no ar, um espírito em levitação expelido das entranhas de um interior desconhecido.
Esta instalação, produzida especificamente para a Kunsthalle Lissabon, nasce desse mundo fantástico em que Ramírez-Figueroa se move. O artista funciona muitas vezes como um encenador que dá forma a ecos traumáticos, criando imagens impressionantes que evocam sentimentos simultaneamente distintos e irreconciliáveis, que nos falam tanto de um passado violento como de um presente turbulento, sempre com uma certa dose de humor. Importa voltar, uma vez mais, à ressonância que o seu trabalho artístico faz da sua história pessoal.