O bispo do Funchal, Nuno Brás, considera “natural” que os candidatos às legislativas da Madeira aproveitem os adros das igrejas para “mostrar as propostas que têm para a sociedade”, mas pede que se abstenham de “fazer comícios com megafones”.
“O adro é um espaço de transição, portanto, uma coisa é encontrar as pessoas, outra coisa seria fazer comício com megafone, altos berros. Aí, penso que não, penso que é preciso respeitar a própria ação sagrada que decorre dentro da igreja”, disse em entrevista à agência Lusa.
Nuno Brás sublinha que as missas de domingo constituem um importante ponto de encontro e, como tal, “é natural que os vários candidatos aproveitem o lugar [o adro] para falar, para mostrar a sua proposta”.
“Já não é natural que o façam dentro da igreja”, afirmou, reforçando: “Aí, eu peço aos candidatos que se abstenham de fazer comícios com megafones nos adros”.
As eleições legislativas da Madeira estão marcadas para 22 de setembro e contam com a participação de 17 forças partidárias.
Nuno Brás disse, no entanto, que decorridos seis meses após a tomada de posse como bispo do Funchal, não se apercebeu de “nenhuma tentativa” por parte do poder político de se imiscuir na vida da diocese.
“E, da minha parte, também não houve absolutamente nenhuma tentativa de me imiscuir na luta política ou nas decisões políticas”, afirmou, vincando que a relação com o governo regional e com as autarquias se baseia num “diálogo amigo” e numa “colaboração saudável”.
O bispo lembrou que a “esmagadora maioria” da população do arquipélago é católica, pelo que a Igreja e as autoridades políticas estão a “servir as mesmas pessoas”, ainda que em “dimensões diferentes”.
“O poder político é laico, mas a sociedade não é. A sociedade é constituída por pessoas que são crentes”, disse, sublinhando que, por isso, a Igreja Católica também é um “interlocutor importante”.
Nuno Brás tem 56 anos, é natural da Lourinhã, no distrito de Lisboa, e tomou posse como 33.º bispo do Funchal em 17 de fevereiro, sucedendo a António Carrilho, que liderava a diocese desde 2007.
Quatro meses depois, em junho, anunciou a revogação da suspensão ‘a divinis’ do padre Martins Júnior, uma medida com grande impacto mediático ao nível regional, uma vez que o sacerdote estava proibido de exercer os sacramentos desde 1977, por decreto do bispo Francisco Santana, embora continuasse à frente da paróquia da Ribeira Seca, em Machico, zona leste da ilha.
“Era um caso muito particular”, disse Nuno Brás, sublinhando que a revogação da suspensão era uma medida “exigida quase por toda a gente” e que “foi até relativamente fácil tomar essa decisão”.
Martins Júnior foi suspenso por se ter recusado a entregar a chave da igreja da Ribeira Seca ao bispo Francisco Santana e participou ativamente na vida pública como presidente da Câmara Municipal de Machico pela UDP (1989) e pelo PS (1993) e como deputado na Assembleia da Madeira.
“Devo dizer que também da parte do poder político, de todos os quadrantes do poder político, da direita à esquerda, o eco foi sempre o melhor e foi sempre de aprovação”, disse, acentuando que no geral da sociedade regional, incluindo o clero, “99% manifestaram o apoio à revogação da suspensão”.
A Diocese do Funchal foi constituída há 500 anos e, conforme realça Nuno Brás, não pode ser encarada como uma empresa, nem um bispo recém-empossado como o novo presidente do conselho de administração.
“Não se pode fazer aquilo que se faz às vezes nas lojas: abre com nova gerência”, disse, indicando que a Madeira enfrenta os mesmos problemas de qualquer país católico da Europa, nomeadamente a baixa natalidade, a secularização e a “religião de fachada”, o contraste entre paróquias do sul e do norte (Madeira tem 250 mil habitantes, 120 mil vivem no Funchal) e a necessidade de reforçar a evangelização.
“A função de um bispo, mais que trazer soluções, é, antes de mais nada, mobilizar toda a diocese para a solução dos problemas”, alertou, destacando a importância de envolver os sacerdotes e os leigos.
Nuno Brás considera que o clero “nunca é em número suficiente” e admite que a sua “mágoa” é não ter padres suficientes para garantir a assistência religiosa às comunidades madeirenses espalhadas pelo mundo.
Contudo, em termos proporcionais, observa que os 55 sacerdotes madeirenses são suficientes.
O bispo do Funchal salientou, no entanto, que gostaria de ter uma diocese mais bem “preparada e capacitada” para “reagir em tempo útil” a situações de catástrofe, concretamente ao nível da Caritas, tendo em conta a curta frequência com que a Madeira tem sido assolada por calamidades, desde o temporal de 20 de fevereiro de 2010 aos grandes incêndios de 2016.
“Sim, creio que podemos fazer alguma coisa mais, no sentido do apoio às pessoas que precisam”, declarou.