Pedro Mexia, João Pedro George e Miguel Sanches Neto debateram o estado da crítica literária (e cultural) tanto em Portugal como no Brasil. Foi na 2ª edição do Fólio – Festival Internacional de Óbidos.
A crítica literária está em colapso?
José Mário Silva, jornalista do Expresso, moderou uma conversa bem menos espinhosa, e com participantes bem mais cooperantes, do que a por si mantida com o Nobel V.S. Naipaul.
O tema da mesa organizada no âmbito do Fólio assume especial relevância na literatura. Longe de serem uma Utopia, as mudanças na crítica literária são uma realidade.
Segundo Pedro Mexia, a formulação da mesa era até consensual, pois “o diagnóstico catastrofista é da ordem da evidência”. Para o actual consultor cultural do Presidente da República, o colapso da crítica tem boas e más razões.
O “Mandarim cultural” perdeu a sua utilidade, pois não é já um dos poucos com acesso à cultura. A democratização da opinião e do acesso mais imediato à oferta cultural são aspectos positivos, segundo Pedro Mexia. No entanto, nem tudo é bom.
A falta de espaço nos jornais ajuda a que a crítica literária tenha hoje um efeito residual. Só o brilhantismo de um J.L. Borges, como é demonstrado nos prólogos do autor argentino, consegue crítica literária com qualidade em espaço tão curto. Hoje, a crítica nos jornais serve como guia de compras, em que as “estrelas” com que se adjectivam os livros são um sintoma irritante.
“Ao fim de um certo tempo é incoerente. Se nós dermos quatro estrelas a um livro dito menor de Tolstoi e depois dermos cinco estrelas a um livro poemas de um jovem estreante… então o estreante é melhor do que o Tolstoi. Não quer dizer nada. Em última análise, as estrelas são uma distracção”.
João Pedro George, a quem já foi atribuído o epíteto de “crítico buldózer”, não concorda com a existência de um colapso, mas sim na de uma evidente descentralização.
A ideia de colapso não é factual nem nova. O fim catastrofista é constante no discurso: “o fim da História”, ” a morte do autor”, “a morte do romance”.
“O colapso da crítica é uma constante do próprio discurso da crítica. A crítica tem uma tendência permanente para a eutanásia. Este contexto catastrofista tem a ver com uma certa volúpia que as pessoas sentem pelo desastre. Faz-me lembrar o “Crash”, do Ballard, em que os indivíduos têm excitação sexual com o desastre de automóvel. E volúpia por quê? Quem anuncia o desastre está, de algum modo, a acariciar o seu próprio ego. É um pretexto para ele próprio fazer um apelo, colocando-se fora do próprio diagnóstico”.
Para o antigo colaborador do jornal “O Independente”, a crítica está mais viva do que antes. Se se apresenta em colapso nos jornais é porque os jornais estão em colapso. Quanto à menor influência do crítico tradicional, João Pedro George afirmou não saber se é bom ou mau. “A crítica entendida como capacidade de julgar não está em colapso, pelo contrário! Está mais viva do que antes”
“No Brasil é mais apocalíptico ainda”, de acordo com Miguel Sanches Neto, poeta e crítico literário brasileiro.
A diminuição dos espaços é comum aos dois países. Até há dez anos, a crítica era uma forma de sobrevivência do escritor. Os críticos tinham a capacidade para fazer ou destruir uma carreira literária. O espaço foi diminuindo; o poder da crítica, também. Hoje praticamente não existe.
“O grande espaço de sustentação de discussão sobre os livros é o blogue”.
A voz cultural foi sucedida pelo murmúrio, segundo Sanches Neto. São muitas pessoas falando ao mesmo tempo. O modelo da crítica está em colapso. No entanto, o grande papel da crítica mantém-se, seja nos jornais ou nos blogues: Apontar caminhos.
Fonte: Diário Digital