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Somos todos escritores, só que uns escrevem e outros não

A Lena das flores chama-me Cristininha, apesar da nossa diferença de idades não ser grande. Olhem, ajeitem-se aí que tenho umas coroas para fazer, há café na cafeteira na mesa lá de dentro, ainda está quente, diz-nos a mim e à Marta. Toda a gente em Óbidos conhece a Lena das flores, mas eu tenho para mim que foi ela quem os conheceu primeiro. A Lena diz que é dona do castelo, e parece que quem lhe conquista o coração tem direito a uma pedra da muralha. Enfim, ir à Lena das flores é não é bem ir a uma florista, é mais como ir a casa. É sentirmo-nos em casa. Porque a Lena é Óbidos.

 

Olhem, diz-nos, ainda agora esteve aqui um senhor que vem cá todas as segundas-feiras buscar uma rosa para deixar na fotografia da mulher. Baixa a voz, é viúvo, mas não a esquece. E tem de ser sempre uma rosa, vejam lá. Não quer das outras flores. Enquanto conta a história do homem das segundas-feiras, nunca lhe diz o nome. É só um homem que mata as saudades da mulher com uma rosa, às segundas-feiras, e pronto. Comento que aquela história das rosas e dos nomes me está a fazer lembrar a conversa de balcão do Romeu e Julieta: Afinal o que existe num nome? Ai, isso já não sei, diz-me a Lena. Isso são as suas palavras complicadas, ó Cristininha. Eu cá não sei falar assim, só sei falar com o coração.

 

E eu lembro-me daquela frase de José Saramago, que diz que somos todos escritores, só que uns escrevem e outros não. Penso que, mesmo sem as palavras bonitas, o que a Lena sabe sobre que existe nos nomes das flores não se fala nas palestras sobre a obra de Shakespeare. Que este, cujos 400 anos serão celebrados umas ruas acima, também pode existir nas pequenas coisas, como na das segundas-feiras do homem sem nome. E que as tais palavras que não são bonitas, mas que saem à boca do coração, são as que realmente escrevem as páginas dos livros. Vai ao festival, Lena? Pois, claro que vou. Se é no meu castelo eu vou. Mais livro, menos livro, o que me interessa são as pessoas do meu castelo. As pessoas. As pessoas, ouviu? A Marta aponta-me um calendário aberto ao dia de hoje: “Nada me deixa tão feliz quanto ter um coração que não se esquece dos seus amigos.” (“Ricardo II”, William Shakespeare). Rimo-nos. A literatura acontece-nos assim: sem floreados, nem palavras caras. Em qualquer lugar, ali, à boca do coração, vestida de pessoa normal como nós.

 

Fonte: P3

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