O calceteiro mais famoso do país não tem dúvidas: “Sou calceteiro por amor e tenho a sorte de ter uma profissão por amor, além de que enquanto trabalho com o corpo, liberto a cabeça”. “Tenho pena daquelas pessoas que das 8,30 às 5 horas da tarde trabalham com a cabeça e chegam ao fim do dia completamente desgastadas e cansadas”.
Vitorino Francisco da Rocha e Silva, 45 anos, nascido na freguesia de Rans, em Penafiel. Casado e com uma filha, o seu “semáforo”, Tino de Rans é o sexto de uma família com oito irmãos. Apesar de ser um homem de muitos ofícios, é como calceteiro que se define, profissão que exerce na Câmara do Porto.
“O Porto é o meu chão, trato-o por tu”, disse ao porto., enquanto calcetava uma das ruas da zona da Boavista em mais um dia de trabalho.
“Conheço as ruas e muitas das pedras do Porto e posso dizer que nunca vi duas pedras iguais”, refere, sem nunca parar o trabalho e com a boa disposição que lhe é caraterística.
Ainda nas últimas eleições presidenciais foi candidato, ao lado de nomes como Marcelo Rebelo de Sousa, atual Presidente da República, Sampaio da Nóvoa, Maria de Belém e outros da malha política nacional, tendo conseguido 152 mil votos, 3,28% do universo de votantes. A conversa, obrigatoriamente, tinha que passar por aqui.
“Eu fiquei contente, ao ver as pessoas felizes. Quando passam por mim, abraçam-me e dizem-me ‘Tino, tu ganhaste’ e eu só tive 150 mil votos”, refere.
Momento mais marcante? Dois: Bruxelas, onde o Tino candidato esteve com os emigrantes e o debate “todos contra todos” na RTP1. Sobre o debate, que pode ser visto como uma partida de futebol, em que duas ligas, a primeira, sonante, forte, que usa e abusa da palavra, e a segunda, tímida, a querer trepar ‘por aí fora’ e com dificuldade em ter posse de bola. “Não me passavam a bola, só faziam perguntas a alguns candidatos e, quando me deram a bola, eu pude marcar golos. Ninguém consegue levantar um estádio se não tiver a bola no pé e eu, com a bola no pé, marquei golo”, numa análise do jogador Vitorino Silva.
As incursões políticas não são novidade na vida de Tino de Rans. Em 1993, Vitorino Silva foi eleito nas listas do PS para presidente da Junta de Freguesia de Rans (município de Penafiel), sua terra natal. Nas eleições autárquicas de 1997 foi reeleito para o cargo. Contudo, a fama nacional surgiu aquando o XI Congresso do Partido Socialista, em 1999, quando colocou militantes e dirigentes a sorrir e a bater palmas de pé.
“Gostei do percurso, gostei de percorrer o país, gostei da forma como as pessoas me trataram. Éramos poucos, mas éramos uma grande equipa”, diz, referindo-se às eleições presidenciais.
“Fiquei com muitos contatos, com o contato do Marcelo e até já o convidei para um dia fazer-lhe uma visita guiada a Rans”, revelou.
Confessa, contudo, que depois da campanha já sentia saudades de regressar ao seu trabalho. “A política faz parte de mim, mas é muito triste aquelas pessoas que só vivem da política, os políticos profissionais”. No regresso ao quotidiano, percebeu que os colegas tinham orgulho em ter ao seu lado a trabalhar um ex-candidato a Presidente da República.
Participou em ‘reality-shows’ da TVI e no programa “Noites Marcianas”, da SIC, escreveu um livro, “De palanque em palanque”, e editou várias músicas. Mais recentemente terminou um argumento para um filme.
“Estou a fazer uma longa-metragem e algumas das cenas vão ser rodadas no Porto, na Sé, no Barredo, nas Escadas das Verdades, entre outros locais”, revela.
O enredo conta a história de vida de um cordoeiro, que, em 1911, fabricava e embalava cordas para todo o mundo. “Ele punha etiquetas para Londres, Nova Iorque e começava a conhecer o nome das terras sem, no entanto, as conhecer. Então, alistou-se na marinha mercante para conhecer o mundo”, explica o autor.
Há pergunta sobre como é que se define a ele próprio, Vitorino Silva não hesita na resposta. “Eu quero morrer calceteiro, porque gosto muito desta arte, mas acho que era um desperdício passar por aqui e fazer apenas vida de calceteiro. Sou uma pessoa que nasceu para criar”, remata, enquanto coloca ao “malhete” mais uma pedra no passeio.
Virámos costas, mas o Tino chama-nos, novamente: “Menina, eu não tenho medo de errar, porque ninguém acerta sempre!”.
Reportagem publicada parcialmente no número 02 do jornal Porto.