Select Page

Um filme coletivo à procura do título numa cultura que se quer em expansão

Projeto “Nove e Meia – Cineclube Nómada” leva oficinas de iniciação ao cinema a comunidades de crianças e jovens institucionalizados no âmbito do “Cultura em Expansão”.

Hoje termina a primeira de duas oficinas gratuitas de iniciação ao cinema, organizada pelo projeto cultural “Nove e Meia – Cineclube Nómada”, dirigida pelo cineasta Saguenail, com programação de Regina Guimarães e Amarante Abramovici e colaboração de Rui Coelho, engenheiro de som.

Esta oficina de duas semanas, realizada no âmbito do projeto educativo do “Cultura em Expansão” e cofinanciada pela empresa municipal Águas do Porto, possibilitou às crianças e jovens do Colégio Barão Nova Sintra estarem mais próximas de uma equipa de profissionais das artes, neste caso, do cinema.

“Estávamos precisamente à procura do título, mas ainda não tem. O filme é uma espécie de um castigo que uns merecem e outros não”. A explicação é de Regina Guimarães, cineasta e poetisa portuense.

O filme a que se refere é uma obra coletiva feita por um grupo de meninos do Colégio Barão Nova Sintra, uma casa de acolhimento residencial masculina, tutelada pela Santa Casa da Misericórdia do Porto.

“Estão a montar o filme final, onde tentamos encontrar o denominador comum das preocupações deles e, depois de uma pequena caminhada de conversa, chegámos à conclusão de que uma coisa que os marcava muito era a ideia da incompreensão”, acrescentou.

“Os primeiros dias serviram para ganhar a confiança deles (grupo), para depois se exprimirem através de um meio, que é o cinema”, explicou Saguenail, a quem cabe a direção da oficina.

Fundador da associação “Os Filhos de Lumière”, o realizador refere que grande parte do trabalho é incutir exigência e disciplina.

Espreitando para dentro da sala, onde decorre uma das últimas sessões, vemos Amarante Abramovici rodeada de miúdos, a explicar o processo de edição de imagem num computador.

Contudo, este filme coletivo que estava a ser editado e que ainda carecia de título, não é para Saguenail o mais representativo destes 15 dias de interação.

“Quando temos miúdos que encenam alguém a ter pesadelos, que encenam uma criança perdida na floresta, miúdos que encenam o ‘fazer amigos’, de repente revelam-se coisas verdadeiramente importantes para eles”, disse. O realizador referia-se aos pequenos filmes que cada elemento teve de executar.

Regina Guimarães, que escreveu os diversos argumentos, fala do cinema enquanto arte coletiva e que exige disciplina.

“Os filmes que estão a montar são filmes escritos e, portanto, há um pequeno trabalho de dramaturgia, de perceberem qual é o assunto, qual a situação que ilustra esse assunto, escrever diálogo se for caso disso, descrever as ações. Tudo isto parece muito simples, mas, na verdade, é bastante laborioso”, refere.

Para a diretora do Colégio Barão Nova Sintra, este projeto foi “muito interessante e benéfico para aquele grupo”, essencialmente por “poderem adquirir conhecimento numa área totalmente diferente daquilo a que estão habituados no dia-a-dia, que é o cinema”, disse Sónia Rocha.

Em causa está o processo mais do que os resultados, aulas práticas de contacto e manuseamento com a câmara de filmar, os microfones, edição de imagem e uma parte mais teórica relativa à escrita do argumento, do pensar na história.

“Não estamos a formar cineastas, mas a contribuir para formar espetadores; estas crianças nunca mais olharão para um filme da mesma maneira”, sublinha Regina Guimarães.

A história de Rúben, um dos mais novos a frequentar a oficina, com 12 anos, fala da amizade de dois meninos. “A minha história conta que eles andavam a brincar às escondidinhas e depois zangavam-se. No fim, eles ficaram amigos, depois de perceberem o que tinham em comum”, explicou em jeito de sinopse, referindo que escrever a narrativa foi das partes que mais gostou, contrariando a maioria dos colegas que elegeu as filmagens como momento preferido.

Foi o caso de Patrício, com 14 anos, que resolveu criar um argumento à volta do “bullying”. “Vejo colegas meus a sofrerem e não gosto que eles sofram. Filmei um colega com um livro e três colegas a fazerem-lhe bullying”, resumindo, assim, uma história com cerca de quatro minutos e onde destaca que o que mais gostou foi precisamente a parte de filmar.

A aposta municipal no desenvolvimento desta atividade é muito bem aceite pelos diversos intervenientes, e sobretudo pela direção do colégio, que gostaria que se pudesse repetir a oficina de modo a abranger mais alunos no futuro.

Regina Guimarães concorda. “É uma boa aposta as instituições investirem neste tipo de trabalho, pois, às vezes, é difícil explicar que isto é uma atividade pedagógica que, para além de ensinar a ver cinema, contribui para a formação dos indivíduos e, eventualmente, até pode ajudar a revelar uma vocação”.

Saguenail destaca também a evolução que notou ao longo das sessões, onde houve um progresso mesmo em termos de disciplina e métodos de concentração. “Tenho miúdos a quem, de certeza, esta possibilidade de criatividade marcou e não a vão esquecer”, refere.

No seu terceiro ano de existência, o programa “Nove e Meia – Cineclube Nómada” leva regularmente o cinema a comunidades mais distantes da arte, este ano no Bairro da Lomba. Encontros de olhares, os filmes não se esgotam no ato de serem vistos, são matéria para assunto de conversa.

Nestas oficinas de aprendizagem – a próxima será no Lar Nossa Senhora do Livramento – o importante é o processo, mais do que o resultado. Contudo, “os filmes são feitos para serem vistos, não existem se não forem vistos”, argumenta Regina Guimarães.

E, a pensar precisamente na exibição, as “obras” serão apresentadas durante o mês de dezembro no Teatro Municipal do Porto – Rivoli.

Pontos de Interesse