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Rainhas e Outras Senhoras em Óbidos

Guarnecida pela pureza austera das muralhas e adivinhando-se algum do seu interior, a partir do exterior, a entrada na vila faz sentir essa relação entre a beleza bucólica e horizontal do casario com o rendilhado das ameias e a verticalidade dos panos da muralha.

Forçando o conceito, existe nesta relação algo de masculino e feminino. No equilíbrio e pragmatismo militar com a sensibilidade intrigante, porque misteriosa, de ruas e largos. Óbidos marca o encontro desses dois mundos que nunca se confrontam, pelo contrário, degustam-se mutuamente.

No entanto, a vila com o seu ambiente histórico revela um gosto e um zelo feminino. Vítor Serrão, historiador de arte, referindo-se a Josefa de Óbidos, afirmou que a sua pintura possui uma “sensibilidade feminil”. A vila também. Não resistimos ao exagero de afirmar que, em Óbidos, a História não reza dos homens.

No entanto uma pergunta se impõe: Terá a vila beneficiado da sua relação afectiva com as Senhoras da sua História? Acreditamos que sim, apesar disso, é arriscado afirmar que o ambiente da vila só foi possível por essa relação, que esta seria impossível se invertêssemos o género que a tutelou.

A relação de Óbidos com as mulheres é longa, repleta de lendas e alguns factos. Princesas mouras e cristãs, rainhas, artistas e mulheres comuns deixaram um legado interessante e uma aura, que se sente na vila, mas que, na sua explicação, não se compadece com grandes rigores científicos.

A mulher está presente na religião, na arte ou no poder. Vila Mariana, por excelência, assume nos oratórios das suas portas, nas capelas das suas igrejas, essa dimensão religiosa expressa na devoção a Nossa Senhora da Piedade, Nossa Senhora da Assunção ou Nossa Senhora do Rosário.

A arte tem como maior representante e referência Josefa de Ayala e Cabrera, de tal forma que a própria pintora assinava as suas obras como “Josefa em Óbidos”. A simbiose resultou e hoje todos a conhecemos como Josefa de Óbidos. O sentido locativo deu lugar a um sentido de posse, do qual a vila arreigadamente se orgulha.

Mas onde a presença e a influência feminina se multiplica e prolonga por praticamente toda a cronologia da nossa nacionalidade foi na relação da vila com o poder. Pertencendo ao património de rainhas e posteriormente à instituição Casa das Rainhas, Óbidos manteve uma relação de fidelidade institucional, que apesar de alguns arrufos se manteve sólida. Tal facto é atestado por episódios passados em períodos que a vila perde alguma da projecção que tinha na Idade Média. O primeiro desses episódios está ligado à criação do Real Hospital de Caldas da Rainha, em 1485, por intermédio de D. Leonor. Até essa altura Óbidos era local eleito para o repouso da família real, mas com o desenvolvimento de Caldas da Rainha a vila começa a perder essa preponderância régia. Numa das deslocações à região a Rainha não terá efectuado a sua habitual pausa na vila seguindo directamente para Caldas da Rainha. Os habitantes de Óbidos terão sentido esta atitude como um abandono e, respeitosamente, alguns deslocaram-se até à Rainha para representarem uma peça intitulada o Velho Óbidos, que não seria mais que uma metáfora do abandono régio ao velho povoado. Se a veracidade histórica deste episódio não está comprovada já o mesmo não se passa com outro que demonstra a profunda ligação com as Senhoras Rainhas. Em 25 de Agosto de 1886 a Câmara Municipal decide oferecer a propriedade do Castelo à rainha D. Maria Pia de Sabóia, recorde-se que a Casa das Rainhas tinha sido extinta 53 anos antes!

Óbidos é naturalmente um local de amores, mais do que paixões, porque requer algo com o qual a paixão não se compadece: tempo. Não se ama o que não se conhece e a vila revela-se à medida que mais gostamos dela. Foi assim que dela desfrutou Bocage quando veio a ares para Óbidos procurando o seu ar puro para a convalescença dos seus males de saúde e de amor. Nos seus passeios pela vila não deixou de procurar a resolução para ambos coleccionando únicos amores tragicamente terminados. Gertrúria, Tirsea, Fílis e Inália são nomes gravados por Bocage na eternidade da sua obra literária, vividos de forma avassaladora humana, carregando a perda permanente e a tragédia como aconteceu com Inália, uma doente de tuberculosa a ares em Óbidos. Mesmo quando os dias do fim encurtavam os tempos felizes de um amor sem futuro Bocage tentou ser feliz no idílico cenário da vila, procurando nas senhoras de Óbidos a panaceia para o seu mal.

Ficam os ecos destes amores nas Rimas de Bocage:

Às águas e às areias deste rio,

Às flores, e aos favónios deste prado,

Meus danos conto, minhas mágoas fio

Dou queixas contra Ismene, Amor e ao Fado.

Tão maviosos são meus ais mesquinhos,

Tanto pode a paixão que em mim suspira,

Que se esquecem das mães os cordeirinhos.

O vento não se mexe, nem respira;

Deixam de namorar-se os passarinhos,

Para me ouvir chorar ao som da lira.

Óbidos e as Senhoras Rainhas

Como se constata pelo texto anterior é ancestral a relação da vila com as Rainhas de Portugal. No entanto, o uso recorrente da designação Casa das Rainhas como referente a uma organização institucional não dilui as dificuldades de provar a sua existência no período medieval, nesses moldes. A fundação ou instituição da Casa das Rainhas, segundo Manuela Santos Silva, a ser datada na sua origem seria no período de D. Filipe de Lencastre, mulher de D. João I. A partir desta altura estabiliza-se o património das rainhas em torno das seguintes terras: Óbidos, Sintra, Alenquer, Torres Novas, Torres Vedras e Alvaiázere. Sintomático do bom gosto feminino. D. Filipa procurou também assegurar a autonomia da sua filha D. Isabel que, por doação do monarca, passará a dirigir este património de forma veemente, pouco flexível aos pedidos dos habitantes locais.

A autoridade era exercida dentro dos limites que eram permitidos pelos diferentes reis. Se, por exemplo, D. Fernando foi um monarca que permitiu um poder quase total a estes territórios senhoriados, a tendência posterior foi a afirmação dos poderes reais nomeadamente em áreas como a Justiça. As terras eram sempre doadas vitaliciamente e em caso de morte da rainha regressavam à posse do rei.

A relação da vila com as rainhas está documentada desde que D. Afonso II, por escritura de 7 de Dezembro de 1210, a doou à rainha D. Urraca. Outras rainhas se sucederam e as obras decorrentes deste estatuto sucederam-se. D. Isabel recebe a doação da vila depois do casamento com D. Dinis, e a esta rainha se deve um dos legados mais profícuos legados, com a construção da capela de São Vicente (actual igreja de São João Baptista), da gafaria e a fundação do Convento de S. Domingos ou das Donas Emparedadas, no início do século XIV.

Em 15 de Agosto de 1441 a igreja de Santa Maria foi o local escolhido para a celebração do casamento régio de D. Afonso V com D. Isabel.

Mais paradoxal é a ligação da rainha D. Leonor com a vila. Se, provavelmente, é a esta senhora que se deve o considerável enriquecimento do património artístico com a campanha de obras da igreja de Santa Maria, na transição do século XVI para XVII, ou a fundação da Misericórdia de Óbidos, para além de que terá sido em Óbidos que a rainha se refugiou durante o luto pela morte do seu filho D. Afonso, foi esta rainha a responsável pela fundação do Hospital Termal das Caldas da Rainha. Este hospital gerou, no final do séc. XVI, um novo local que rivalizará com Óbidos, relativamente às estadias da família real na região.

O crescendo de Caldas da Rainha nas preferências reais não invalidou que outra rainha esteja associada de forma indelével à história de Óbidos: D. Catarina de Áustria, mulher de D. João III. Em moldes renascentistas, onde um novo quadro de responsabilidade social se instala na relação entre Senhor (no caso Senhora) e população, surge um documento de grande interesse denominado “Título e Contrato”. Resumidamente implica um contrato entre a Rainha e a população para a construção de um aqueduto (1573) e as suas estruturas de abastecimento público a jusante, em troca da fértil várzea a oeste da vila.

Óbidos, depois de ter sido das primeiras vilas a resolver as sempre complexas questões de pavimentação de ruas e a ter um serviço público de limpeza de ruas, passa também a ser uma referência ao nível do abastecimento público de água.

O investimento mantém-se nos séculos posteriores, pois em 1792, D. Maria I mandou construir uns novos olhos-de-água, reformular a canalização da rua direita e construir o chafariz, fora do postigo de baixo, onde, numa epígrafe, fez questão de destacar o carácter público da sua intervenção. Terá sido a última rainha a manter uma relação forte com a vila, que apenas por mais 42 anos continuaria a pertencer à Casa das Rainhas. Ainda em 1782, para fugir da peste que assolava as Caldas da Rainha optara por esta vila para as férias da família real, no solar da praça de Santa Maria.

O carácter vincadamente real e o estatuto que historicamente conquistou como uma das praças mais imponentes e cativantes de Portugal foi devido a este cuidado ou sensibilidade tutelar de sucessivas rainhas, ainda que não possamos afirmar que tenha sido elaborado de forma programática.

Sabia que…

A Rainha Santa Isabel mandou construir a Capela do Senhor Jesus do Milagres e o Convento das Donas de S. Domingos As Emparedadas no interior da cerca do castelo.

O castelo, no último século e meio da Idade Média, era um complexo “residencial” muito utilizado pelos monarcas. Em meados do século XV contava mesmo com a presença de um “paceiro” no local.

D. Isabel, filha de D. Filipa de Lencastre, não aceitou reparos dos magistrados concelhios pelo facto de ela passar alvarás obrigando-os a dar roupas e pousadas a gafos que, para aquela região, eram levados pelo administrador das gafarias e hospitais das suas terras.” P. 97

O aqueduto da Usseira mandado construir por D. Catarina de Áustria tem 6 km de comprimento.

As pinturas do retábulo de Santa Catarina são de Josefa de Óbidos e foram executadas em 1661, depois de o retábulo ter estado cerca de 30 anos sem telas, sem razões conhecidas.

A condessa Luísa Guerra, camareira da Rainha D. Maria Ana de Áustria (mulher de D. João V), está sepultada na Igreja da Misericórdia. Morreu em 1748.

Que a canalização nova, em chumbo, mandada colocar pela Rainha D. Maria I teve de ser substituída por ter rebentado assim que foi colocada a funcionar

Principais Referências Femininas de Óbidos:
D. Isabel de Aragão, D. Inês, D. Leonor Teles, D. Leonor, Josefa de Óbidos, D. Maria de Sabóia.
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