A passagem para a fase do “azul e branco” está relacionada, pelo menos, com dois motivos: a difusão da porcelana chinesa na
a invocação de santos e respectivos atributos: Santa Catarina de Alexandria, com a roda do martírio, Santa Apolónia, com a turquês, ou Santa Luzia, com a bandeja com os olhos. Os elementos arquitectónicos como vãos de portas e janelas, assim como as telas, são envolvidos por uma cercadura de folhagem desenhada sobre fundo azul, funcionando como negativo da composição central. Talvez devido ao pioneirismo da obra ou por insuficiência técnica denotamos que aos painéis foram acrescentados vários enxertos, nas partes laterais e no remate da parede junto ao tecto, como forma de suprir a dimensão insuficiente do conjunto original. Em relação ao autor sabemos que a hipótese aventada durante algum tempo de ser uma obra de Gabriel del Barco não faz muito sentido, devendo ser atribuído a um pintor anterior (Meco J, 1998, pp. 110-111).
A este pintor está atribuído o painel da capela de São Paulo (169[5?]), na sacristia da mesma igreja. A testemunhá-lo temos “a pintura dos silhares, com pinceladas rudes, de azul muito denso e com poucos esbatidos, servindo um desenho incipiente, é representativa da força dramática deste primeiro mestre do azulejo barroco” (Meco J, 1998, p. 112). Este pintor, nascido em Siguenza em 1649 e provavelmente falecido em Lisboa em 1703, enquadrou-se num período Europa e, principalmente, em Portugal, onde a conotação do luxo com o oriente foi sempre particularmente intensa, e a importação de azulejos holandeses. Não nos parece útil o debate de qual tenha sido o factor mais importante, mas se a porcelana reforçou ou dignificou o azulejo e alargou os motivos decorativos, já a importação holandesa permitiu aos portugueses o conhecimento técnico de fabrico e pintura para além da erudição e academismo das temáticas pintadas nos painéis. Óbidos é particularmente importante para o estudo do azulejo desta fase de transição devido aos painéis da nave da igreja de Santa Maria, compostos por movimentados ornamentos barrocos, baseados nos brutescos e motivos decorativos dos tectos de igrejas. A utilização de grinaldas floridas, enrolamentos e volutas de folhagens é feita em simbiose com elementos figurativos como meninos, atlantes e cartelas com Igreja da Nossa Senhora de Monserrate.
Terá chegado a Portugal cerca de 1669 tendo sido discípulo de Marcos da Cruz, pintor a quem estão atribuídas quatro telas das paredes da nave da igreja de Santa Maria. Esta personalização da criação representa as transformações operadas que conferiram um maior destaque à erudição de quem pintava. O azulejo do século XVIII também está representado na vila por um conjunto de painéis que podem ser enquadrados no período denominado de “grande produção joanina”, balizado cronologicamente entre 1725 e 1755, que corresponde a um período de forte produção e utilização do azulejo em Portugal. O País, através dos seus artífices, passou a aplicar os conhecimentos técnicos e representativos da referência holandesa. O reino vivia um período de folga financeira que, conjuntamente com um apetite cada vez maior dos encomendadores pelo azulejo, permitiu o desenvolvimento intenso da arte. O carácter cenográfico proporcionado pelo azulejo era imprescindível nas igrejas ou palácios, sem que isso obrigasse à anulação da mensagem das cenas representadas. Elas continuavam a ser pintadas, mas como se fossem representações teatrais, com cuidadas bocas de cena, figuras e espaços, tudo envolvido por molduras repletas de movimento e carga ornamental. O painel é admirado não só pela cena central, mas por toda a cercadura que a envolve. A utilização intensiva do azulejo, neste período, levou à redução da sua qualidade média. O fenómeno de individualização do criador, referido anteriormente, volta a ser substituído pelo anonimato das produções oficinais (Pereira JF, 1995, p. 126). Conjuntos decorativos como painéis de albarradas envolvidos por cercaduras de folhagens são bastante frequentes. No caso de Óbidos encontramos exemplos na entrada da igreja de Santa Maria, possivelmente de 1737. O mesmo espaço alberga “um belíssimo e muito raro padrão barroco, de 6×6 azulejos, inteiramente formado por enrolamentos de folhagem Igreja de Santa Maria contracurvados, com um florão no centro, derivado das decorações de tectos que, cerca de meio século antes, já tinham inspirado o revestimento das paredes da nave”. O motivo das albarradas repete-se ainda na igreja de Nossa Senhora de Monserrate, onde o factor diferenciador, face a Santa Maria, é que, neste templo, “na parte superior, o revestimento apresenta um padrão tardo-barroco de 4×4 azulejos, formado por quatro pares de volutas cruzadas, com palmetas de estilo Regência nos cantos, as quais apontam para uma data ligeiramente mais tardia, dentro dos anos quarenta” (Meco J, 1998, p. 113). Verdadeiramente únicos, não tanto pela temática ou qualidade técnica, são
os painéis da Porta da Vila. O contexto em que se encontram inseridos funciona de uma forma extraordinária, conjugando os limites arquitectónicos e estéticos de uma porta dupla de funções militares, com um pequeno oratório com retábulo em talha dourada e um imponente balcão em pedra que lança a riqueza azul e branca do azulejo.
O contexto devocional do elemento fica completo com as suas representações relacionadas com a agonia de Jesus no Horto das Oliveiras, ocasião em que Jesus Cristo sua sangue e a Prisão de Jesus. Ligando as cenas constam as figuras de anjinhos a brincar e figuras de serafins, um com a lança com que Cristo foi golpeado e o outro com a esponja com vinagre para dar de beber a Jesus. Continuando a utilizar José Meco como referência para as datações: “Todas as molduras e acessórios decorativos integram-se no espírito plenamente barroco desta obra, situável cerca de 1740, a qual pode ser associada a Valentim Almeida, um dos principais mestres joaninos, activo entre o segundo decénio do século XVIII e o período pós-terramoto” (Meco, J, 1998, p. 113-4)”. A encomenda da obra terá mesmo sido ordenada por D. João V numa das suas visitas à vila ou durante uma das suas deslocações ao Hospital Termal das Caldas da Rainha devido a um problema de paralisia de que padecia. Entre 1742 e 1748 o rei deslocou-se 12 vezes às Caldas da Rainha. O seu reinado terminou em 1750. Finalizamos o nosso percurso cronológico com um registo, em mau estado de conservação, de Nossa Senhora do Rosário colocado na muralha sul. Remonta ao século XVIII sendo mais difícil provar cronologicamente a sua colocação naquele local. O facto de ser uma Nossa Senhora do Rosário é compreensível, quanto mais não seja, por a padroeira da vila ser Nossa Senhora da Piedade e o rosário ser uma das formas de piedade mais populares, desde o século XIII. O tamanho deste pequeno painel recorda-nos a proliferação por todo o País, depois do terramoto de 1755, de registos de santos colocados nas fachadas de edifícios para obter protecção contra as catástrofes (Almasqué, M).