Neste século, seguindo a tendência que se implementou na segunda metade do século anterior, dá-se um abandono do azulejo de aresta. A pintura directa sobre o azulejo permitida pela majólica confere um desenvolvimento cromático das composições, bem como dos temas representados. Os painéis figurativos e coloridos marcam o final do século XVI, mas, apesar disso, os padrões de várias cores serão adoptados no século XVII. Os motivos para a vulgarização das composições de azulejo “tipo tapete” podem estar relacionados com o facto de se tratarem de produções oficinais, sem a cultura erudita que a corte geraria se estivesse presente em Portugal. Referimo-nos, naturalmente, ao período Filipino (1580-1640). A acrescentar a essa menor erudição, ou na sequência, existia uma menor capacidade financeira que se reflectiu na aspiração da encomenda. Igualmente importantes foram as alterações provocadas pelo Concílio de Trento no que concerne à iconografia que a igreja deveria utilizar nos seus espaços de culto. No nosso País o azulejo adquire uma dimensão arquitectural notável. Em edifícios existentes ou em novas construções o azulejo enobrecia espaços sem grande vibração arquitectónica, mas com o azulejo, a talha e a pintura granjeava um outro patamar no que concerne à sua função.
A igreja salão da Misericórdia de Óbidos reflecte precisamente esse primado crescente que torna o azulejo como um dos principais elementos decorativos, em contraponto, por exemplo, com a escultura em pedra, mais dispendiosa e reservada a grandes monumentos. Se juntarmos a toda esta realidade mais alguns aspectos, que referimos anteriormente, como a facilidade de aplicação, percebemos a razão do sucesso do azulejo de tapete, que passou a revestir áreas cada vez maiores, nesse característico efeito de tapeçaria cerâmica. Numa primeira fase datado por Gustavo Matos Sequeira como tendo sido colocado aquando das reformas da igreja de 1678, depois do estudo de José Meco a baliza cronológica foi alterada para a primeira metade do século XVII, data de outro importante conjunto de obras, que incluíram a porta da igreja, pintura e engessamento e o altar-mor. Óbidos e o seu concelho contêm mais alguns exemplares a destacar no que concerne à azulejaria da primeira metade do século XVII e à tipologia de padrão referida. Bem junto à igreja da Misericórdia encontra-se a igreja de Santa Maria com a sua capela-mor revestida a azulejo policromado tipo tapete com “uma invulgar barra de brutesco a servir de cornija” (Meco J, 1998, p. 108).
No arrabalde da vila encontra-se a igreja de Nossa Senhora de Monserrate cujo revestimento a azulejo da nave central e capela-mor é descrita da seguinte forma por José Meco: “A parte inferior das paredes laterais apresenta um enxaquetado simples, encimado por um revestimento enxaquetado compósito, com os centros preenchidos por padrões policromos, decorados por laçarias de inspiração flamenga. A composição que envolve o arco triunfal e o revestimento da capela-mor (paredes e pendentes da cúpula) já são inteiramente de padronagem decorada, bem integrada através do uso apropriado de cercaduras e frisos envolventes, avivados na parte interna por tiras de azulejo branco (idem,1998, p. 108)”. Continuando o nosso circuito pela região e primeira metade do século XVII é imperativa a referência à ermida de Santo António da A-da-Gorda, de cerca de 1643. Com as paredes da nave revestidas por dois padrões, aplicados horizontalmente, numa alusão clara a panos de brocado pendentes. O remate superior é efectuado por um friso com uma franja amarela que aumenta consideravelmente o efeito cenográfico do conjunto.
O efeito de conjunto desta composição de azulejos é realmente notável pela cor intensa do azulejo e pela minúcia com que é pintado o padrão, conferindo um ar menos industrial que o azulejo utilizado na Misericórdia de Óbidos. Fechamos o século XVII com uma importante transformação operada no azulejo em Portugal: a entrada da monocromia azul que marcará o século seguinte. A vila oferece vários exemplos dessa fase de transição, o primeiro deles encontra-se sobre o pórtico da igreja da Misericórdia, uma Virgem com o Menino, em faiança e invulgar na região. Como sugere o investigador, já mencionado neste texto, a sua colocação poderá estar relacionada com as obras de 1678 (Meco J, 1998, p. 108). A técnica e a cor, semelhantes à faiança da época da datação, preparam também aquilo que vai ser o azulejo de finais do século XVII e inícios de XVIII.
TÉCNICA DA MAJÓLICA: Responsável pela grande evolução na expressão ornamental da azulejaria. Criação italiana permitia pintar a pincel sobre o azulejo cozido que depois era coberto com um esmalte transparente. As capacidades narrativas e de utilização da cor cedo recolhem as preferências de encomendadores e naturalmente dos artistas do século XVI.