A História de Óbidos carece de informação fidedigna quanto às suas origens, à semelhança do que acontece noutros locais. Apesar de algumas referências em documentos de cronologias muito posteriores, apenas as descobertas arqueológicas demonstraram factualmente várias fases de ocupação no concelho, como a que remonta ao Calcolítico, no Outeiro da Assenta. A origem do povoado de Óbidos, enquanto fundação de Celtas e Túrdulos, no ano de 308 a.C., não tem dados arqueológicos a sustentála, apesar de se encontrar profundamente enraizada na historiografia tradicional. O período romano encontrase melhor caracterizado, devido às escavações arqueológicas do que se suspeita ser a cidade romana de Eburobrittium, descrita por Plínio como estando localizada entre Collipo (Leiria) e Olissipo (Lisboa). Desde 1994 foram identificadas várias estruturas que retratam o programa construtivo típico de uma cidade romana, tais como o Fórum e as termas públicas.
A localização mais interior deste núcleo populacional não implica um ermamento do local onde hoje se encontra Óbidos, porque ambos os locais estão próximos e, principalmente, devido à importância estratégica da orografia do local. Este é um dos argumentos decisivos para todos aqueles que defendem uma ocupação continuada do maciço rochoso da actual vila. Mesmo que não tenha acontecido como povoado, não podemos descurar a existência de atalaias de vigilância ou de sistemas defensivos mais elaborados, principalmente se atendermos ao facto de a lagoa se encontrar bem perto da actual vila até ao final do período medieval. As datações propostas para Eburobrittium encontramse balizadas entre o último decénio do século I a.C. (período de Augusto) até ao século V d.C.. A entrada na Idade Média poderá ter desencadeado maiores preocupações defensivas, levando à procura da protecção que o terreno elevado de Óbidos oferecia. A presença visigótica, apesar do silêncio coevo, certamente aconteceu e sobre ela se estabeleceram os muçulmanos, entrados na Península em 711. A presença muçulmana é difícil de definir de forma factual, resumindo-se a abordagens, mais ou menos comparativas. Alguns autores identificam uma matriz muçulmana no planeamento urbano da vila, no seu traçado sinuoso, no encerramento do espaço privado e na sua conquista ao espaço público. Mais sólido é o conhecimento da existência de uma comunidade moçárabe, no Mocharro, junto ao templo, hoje denominado de Nossa Senhora do Carmo, que inclusivamente teria o seu rossio onde as trocas comerciais seriam efectuadas (Silva MS, 1994, pp. 1733).
Faz assim sentido a afirmação de Pedro Gomes Barbosa ao referir que as comunidades moçárabes se teriam concentrado “nos termos de Torres Vedras e possivelmente de Óbidos” (Barbosa P, 1992, p. 62), os núcleos populacionais mais fortes da Estremadura Central. A colocação no exterior da muralha permitia-lhes estar mais perto da lagoa e libertar o perímetro muralhado (à época resumiase à alcáçova muito inferior ao actual). Aí se manteve um núcleo populacional até ao séc. XVI, ocasião em que se terá deslocado para o interior da muralha ou para o arrabalde oposto. Aventam-se várias hipóteses para esta deslocalização, como a série de sismos que assolou Portugal no séc. XVI (principalmente o de 1531 que causou grandes danos em Óbidos), o abandono da judiaria que passou a Rua Nova no interior da vila e o recuo da lagoa (Silva MS, 1994, pp. 17-33). A conquista de Óbidos por D. Afonso Henriques, em 11 de Janeiro de 1148, está envolta em múltiplas lendas, sendo difícil de definir factualmente locais de quebra da resistência ou outras características da campanha que envolveu. Seguindo a tradição, terá sido Gonçalo Mendes da Maia O Lidador quem quebrou a resistência muçulmana. A operação, de grande simplicidade, desenvolveu-se em dois focos simultâneos, um primeiro com as manobras dilatórias de D. Afonso Henriques e um outro na Porta da Traição, por onde terá entrado Gonçalo Mendes da Maia. Depois da conquista de Óbidos estava concluído um conjunto de conquistas que expulsaram o poder islâmico da Estremadura, dando sequência à conquista de Santarém, Lisboa e Torres Vedras1.
Nos anos subsequentes à reconquista cristã, Óbidos era um termo de grandes dimensões, com bons solos agrícolas e uma lagoa rica para a pesca, mas de fraca densidade populacional, algo que nos é revelado pela carta de doação dos coutos de Alcobaça, em 1153. Neste domínio não seria diferente de largas áreas abaixo do Mondego, para as quais D. Afonso Henriques procurou encontrar solução gerando movimentos de povoadores para a sua ocupação, para além das conhecidas instalações de comunidades monásticas. Óbidos foi um caso interessante também neste domínio, pois, apesar de, numa primeira fase, ter contado com a protecção de Santa Cruz de Coimbra, nem por isso deixou de assistir à diminuição do seu termo a norte com os Coutos do Mosteiro de Alcobaça e com a atribuição de terrenos a francos na Atouguia da Baleia.
No entanto, a importância estratégica da vila mantevese viva de várias formas, quer em termos militares, quer em termos administrativos com o encontro e confronto das instituições municipais e reais. Nos séculos XIV e XV a administração municipal estava entregue aos juízes e alvazis, podendo ainda ser reunida a assembleia municipal em casos de extrema gravidade. No entanto, a relação da vila com as rainhas está documentada desde que D. Afonso II, por escritura de 7 de Dezembro de 1210, a doou à rainha D. Urraca. Outras rainhas se sucederam e as obras decorrentes do estatuto sucederam-se. D. Isabel recebe a doação da vila depois do casamento com D. Dinis. A esta rainha está atribuída a construção da capela de São Vicente (actual igreja de São João Baptista), da gafaria e do convento das Donas de São Domingos, em 1309, de acordo com a tradição.
Perante o arco cristão Leiria, Santarém, Lisboa, torna-se difícil de justificar uma feroz resistência muçulmana em Óbidos. Trata-se de um campo a carecer de investigação científica que permita avaliar a autenticidade do apoio que o alcaide muçulmano de Óbidos terá tentado prestar a Lisboa aquando da ameaça do cerco cristão. 2 – As decisões mais importantes para a vila e seu termo, como as tomadas de posição em conflitos militares, encontram-se descritas nas Memórias Históricas como fruto de debate nestas assembleias. Poderá ter sido o caso do apoio a D. Sancho II, em detrimento de D. Afonso, futuro D. Afonso III. Este último rei irá mesmo conceder à vila o título de Mui Nobre e Sempre Leal pela firmeza da defesa do monarca anterior.
Mais paradoxal é a ligação de D. Leonor com a vila. À rainha deve-se o considerável enriquecimento do seu património artístico, através da campanha de obras da igreja de Santa Maria, na transição do séc. XV para XVI e a fundação da Misericórdia de Óbidos. A vila foi o local escolhido pela rainha para chorar a morte do seu filho, D. Afonso. Para além disso, deve-se a D. Leonor a construção do Hospital Termal das Caldas da Rainha e, consequentemente, da vila que o rodeou.
COMO SERIAM AS CASAS EM ÓBIDOS NA IDADE MÉDIA? Este é um exercício de alto risco em virtude dos poucos testemunhos que a História nos deixou. No entanto, socorremo-nos de alguns estudos efectuados por diversos investigadores, que começam por nos demonstrar que a tipologia das casas medievais só começa a ser possível de identificar nos finais da Idade Média. As casas seriam de piso térreo, na sua grande maioria, e, eventualmente, com um piso superior, geralmente acrescentado ao longo da vida do proprietário. A construção em altura existia nas grandes urbes, sendo rara nas povoações de menor dimensão. Em Lisboa, a partir dos séculos XV e XVI, generaliza-se nos bairros mais valorizados. Em Óbidos o programa de construção seria o de piso térreo ou dois pisos e as habitações teriam uma área média de cerca de 40 metros quadrados (Silva, MS. 1997, p. 105). A compartimentação do espaço interior era reduzida, o que revela a sua exiguidade. O piso térreo, quando virado para a rua, albergava o espaço comercial na frente e uma câmara ou quarto na parte anterior. O número máximo de divisões, em casas de dois pisos, rondaria as quatro, o que permitia uma distribuição do espaço muito menos claustrofóbica. Pelo contrário, as casas de apenas um piso, com pouca ou nenhuma compartimentação, faziam da soleira da porta o sofá da sala, que era a rua! A cozinha era um privilégio, como tal não era generalizada, isso só parece acontecer nos finais do século XV (Serra, JB. 2005, p. 143).
CURIOSIDADES DA ÓBIDOS MEDIEVAL
… D. João I quando partiu de Torres Vedras para as Cortes de Coimbra passou pelo Cadaval, Óbidos e Alcobaça com uma multidão e seiscentas lanças num percurso lento e de trabalhosas jornadas.
… D. João I, numa das suas estadas em Óbidos, em 12 de Agosto de 1422, mudou a era de César (38 a.C.) para a era de Cristo.
… os topónimos terminados em RIZ poderão ter uma origem Sueva. Será que (Nossa Senhora) Aboboriz terá a mesma origem?
… no largo de São Pedro foi criada, no século XIV, a capela de São Luís de França.
… A comunidade moçárabe (cristãos sobre domínio árabe) de Óbidos estava instalada na encosta junto à Várzea da Rainha.
… em 1245 Óbidos esteve cercada pelas tropas de D. Afonso Conde de Bolonha, futuro D. Afonso III, devido à vila se ter mantido fiel ao rei D. Sancho II.
… é de 1296 a primeira referência documental à Rua, possivelmente a actual Rua Direita.
… no interior do castelo a rainha D. Isabel fundou, no século XIV, o convento das Donas de S. Domingos ou as Emparedadas?
… em 1336 nasceu, em Óbidos, D. João de Ornelas que virá a ser Abade de Alcobaça e um dos principais apoiantes da causa do Mestre de Avis.
… a 15 de Agosto de 1441 aconteceram em Óbidos os esponsais do infante D. Afonso, futuro D. Afonso V, então com dez anos, com D. Isabel, de oito anos, na Igreja de Santa Maria.
… as descobertas de portais em alguns edifícios da Rua Direita poderão revelar que o traçado medieval dessa rua seria bem mais sinuoso do que o actual.
… o rei D. Fernando terá mandado construir um passadiço do Castelo para a igreja de São Tiago para a rainha D. Leonor Teles poder assistir aos ofícios.
… em meados do século XV havia um paceiro em Óbidos para cuidar do Paço da Rainha e do Paço do Rei.